quarta-feira, 21 de abril de 2021

Efeito Superliga também já atingiu a NFL, e implodiu em poucos anos

Competição europeia contribuiria com a desproporcionalidade do futebol mundial, mas naufragou logo após seu anúncio (foto: Reuters)

Nos últimos dias, tem sido pauta no debate esportivo, e também em rodas de conversas, a criação da polêmica Superliga Europeia de clubes, na qual 12 equipes da Inglaterra, Espanha e Itália, decidiram romper com a União Europeia de Futebol (UEFA) e com as federações de seus respectivos países para criar um torneio próprio, restrito a estes times, e que faturariam bilhões de euros. O caminhão de dinheiro distribuído seria muito maior do que se estes seguissem jogando apenas a UEFA Champions League, de fato, a maior competição de futebol da Europa.

Os ingleses Arsenal, Chelsea, Liverpool, Manchester United, Manchester City e Tottenham; os espanhóis Barcelona, Real Madrid e Atlético de Madrid; e os italianos Milan, Internazionale e Juventus, são os fundadores da ideia. Eles anunciaram a novidade com pompas no último domingo, 18 de abril, como se tivessem ordenado o fechamento de um congresso, a prisão de adversários e rompido com a democracia através de um golpe de estado. Basicamente, o torneio criado reuniria estas 12 equipes ano após ano, sem nenhuma fase de acesso à competição. Independente de seu rendimento, estariam sempre ali, competindo e ganhando muito mais dinheiro que os times conterrâneos que não disputassem a Superliga. Uma ideia que nasceu errado, e continua dando errado.

Inúmeros protestos de torcedores, dirigentes e entidades do futebol ocorreram nos últimos três dias. Isso porque a ideia da Superliga surgiu dos proprietários e presidentes dos 12 clubes rebeldes, e não dos torcedores. Diante de tanta pressão, nesta terça-feira, 20, os seis times ingleses anunciaram que deixariam a Superliga. Após a própria Superliga anunciar sua suspensão, outras quatro equipes também completaram a debandada: Atlético de Madrid, Juventus, Milan e Internazionale. Até o fechamento deste texto, somente Real Madrid e Barcelona continuam abraçados no fracassado projeto.

Ainda está longe de um final toda esta questão envolvendo o futebol europeu, mas no esporte como um todo, já houve diversas tentativas de rompimento com a ordem natural das estruturas das grandes competições. Aqui no Brasil, a maior destas histórias está com a Copa União de 1987, torneio criado por 13 equipes brasileiras, e que seria o início de uma liga nacional gerida pelos clubes. Porém, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que inicialmente estaria fora da aventura e deu o aval às equipes se organizarem, entrou no meio da competição e resolveu propor um regulamento próprio, com direito a uma decisão entre os melhores da Copa União e do Módulo Amarelo (o campeonato organizado pela CBF), gerando um imbróglio jurídico que ultrapassou décadas e parou nas mãos do Supremo Tribunal Federal. Assim sendo, o Sport, vencedor do Módulo Amarelo, foi declarado definitivamente como campeão brasileiro daquele ano, e não o Flamengo, vencedor da Copa União.

No futebol americano, há também os seus exemplos. Em vários momentos da história, magnatas norte-americanos resolveram tentar desbancar o império que é a NFL. E um exemplo em questão tem como principal personagem alguém que até o início de 2021 estava em evidência na mídia em todo o mundo: Donald Trump. O hoje ex-presidente dos Estados Unidos é bilionário, e fez fortuna sendo um empresário do ramo dos imóveis norte-americanos. E na década de 1980, teve sua aventura no mundo dos esportes.

Hoje ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump tentou desafiar a NFL, e ajudou na implosão da USFL (foto: Dave Pickoff/AP)

Em 1982, surgiu nos Estados Unidos a United States Football League (USFL). Diferente da AFL, que rivalizou com a NFL nos anos 1960 até a definitiva fusão entre ambas as ligas, criando assim o Super Bowl e a NFL atual, a USFL seria uma liga alternativa que ocorreria durante a offseason da NFL. Ou seja, seria realizada nos primeiros meses do ano.

Tudo ocorreu bem após a primeira temporada, em 1983, mas a liga expandiu logo após a sua primeira temporada, e os times almejavam oferecer contratos maiores que os que eram dados aos atletas da NFL na época. Só que faltava dinheiro e garantias para bancar tudo isso. Diante desta crise, a USFL forçou que determinadas franquias fossem vendidas para bilionários. E foi o caso do New Jersey Generals, da área metropolitana de Nova York, que foi vendido para Donald Trump.

Antes de brincar com a democracia norte-americana, soltando fake news à rodo e aliado aos piores chefes de Estado do planeta, Trump iniciou sua aventura de gestor no futebol americano de um jeito que iniciou a derrocada da USFL. Contratou jogadores por salários astronômicos, e até tirou atletas da NFL, como o quarterback Brian Sipe, que jogava no Cleveland Browns. Como não havia um teto salarial na USFL, o Generals se fortaleceu ante aos rivais, e tiveram ótimo desempenho na temporada regular de 1984, mas caíram nos Playoffs na primeira fase.

No ano seguinte, o Generals de Trump seguiu a mesma escrita, contratando jogadores por salários acima do que era pago na época e sem critérios específicos. E novamente a franquia decepcionou caindo na primeira fase dos mata-matas. Posteriormente, a debandada começou pela ABC, a emissora de TV aberta que transmitia a USFL, e que abandonou os direitos de transmissão. A ESPN, que exibia os jogos em TV fechada, resolveu renegociar o seu contrato também, pois os valores investidos já eram altos demais pela fraca qualidade técnica da liga. 

Com todos estes problemas, Trump se tornou o principal articulador da USFL, e passou a chamar as atenções da mídia com críticas à NFL. E influenciou a maioria dos demais donos de franquias da USFL a mudar seu calendário para ocorrer na mesma época da NFL, já em uma tentativa desesperada de a liga mais velha abraçar todos os times da competição concorrente, como foi com a AFL. E não deu certo, dadas as diferenças competitivas em ambas as ligas. 

Não contente com a negativa da NFL, Trump resolveu processar esta liga, algo semelhante ao que o próprio fez ao tentar exigir a recontagem dos votos nas eleições presidenciais de 2020. A USFL processou a NFL alegando que esta impedia o seu crescimento. A liga pediu US$ 1 bilhão para reparar os danos, e nos bastidores, especulava-se que esse dinheiro seria usado para bancar novos contratos com jogadores, e assim sobreviver financeiramente. A NFL até foi condenada, mas a indenização aplicada pela justiça foi de apenas TRÊS DÓLARES. Com juros, o valor passaria a ser US$ 3,76.

Passado este caso, a USFL definitivamente fechou as portas antes mesmo da temporada de 1986 começar. Diferente da Superliga europeia, que respira por aparelhos e deve deixar de existir mesmo antes de seu primeiro jogo, a USFL existiu e poderia até mesmo ser competitiva. Além disso, poderia servir como alternativa à NFL para o recrutamento de novos jogadores, mas deu tudo errado. Quanto a Donald Trump, seu negócio como dono do Generals não vingou, mas passou a ser cada vez mais visto na mídia norte-americana após este episódio, até ser o ex-presidente que hoje conhecemos.

NFL não é Superliga

Apesar de, em tese, ser parecida, por ter um número fixo de times e estes estarem sempre presentes, a NFL não se assemelha à Superliga Europeia. Isso porque, desde sua criação, a NFL trabalha com a ideia de que todas as equipes possam crescer financeiramente juntas, a ponto de permitir um equilíbrio entre todas, e garantindo que haja o limite de gastos com salários. Isso sem contar com o sistema do Draft, em que atletas universitários são escolhidos pelos times da NFL em ordem inversa à temporada anterior. É assim na National Football League e também nas demais ligas profissionais norte-americanas.

Por outro lado, na Superliga, ideias como as da NFL não seriam aplicadas. Os 12 times receberiam muito dinheiro para gastarem como quiserem com seus novos reforços, sem haver nenhum mecanismo que permitisse o equilíbrio entre todos. Além disso, o abismo entre Superliga e demais times seria ainda maior que o que já ocorre entre times da Europa e da América do Sul, em que os ricos ficam ainda mais ricos com premiações e reforços que são os melhores jogadores do mundo. E os times pobres ficam mais pobres, sem ter como fazer contratações no mesmo nível que os europeus, em equipes que, por muitas vezes, acabam ficando endividadas. O futebol respira aliviado diante da possibilidade de extinção desta competição.

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